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28 November 2024
Group of party people - men and women - drinking beer in a pub or bar

TEMPOS MODERNOS: mulheres também fazem sexo casual e nem sempre querem casar

Elas quebram uma das últimas antigas regras comportamentais

Depois que Léo Santana e Anitta gravaram, juntos, a música “Contatinho”, uma certa equidade passa a ser cantada e dançada. O mesmo autor da sexista “abastece que ela desce”, o “gigante”, aquele do Baile da Santinha, ao dividir o microfone com “aquela que os intelectuais não conseguem definir” compra e vende o provável peixe mais picante da temporada. Ele deve essa à cantora que ofereceu a versão feminina e ressignificou a zorra toda: “Anitta que teve essa ideia, eu ia gravar sozinho”, entrega Léo assumindo apenas a parte que lhe cabe na trilha que explicita o que a gente já sabe: agendas de homens e mulheres não se devem, mutuamente, mais nada.

Alguma novidade nisso? Não. Mas, ao assumirem suas listas de boys, mulheres quebram uma das últimas fronteiras das antigas regrinhas comportamentais. Agora é real/oficial: elas também fazem sexo casual e nem sempre querem namorar ou casar. Isso, dito assim, assumido assim, vivido assim… bom, não tá fácil pra todo mundo. Pedro Valente, por exemplo, um cabra de 41 anos que criou o perfil @solteiropolitanos para, justamente, falar dos sabores e dissabores da solteirice masculina, é um dos que estão perdidinhos da Silva Santos: “Rapaz, todos nós, homens solteiros, estamos sofrendo com isso. Uma hora você é primeiro da fila, no dia seguinte você tá no final da fila, não dá pra entender nada, a pessoa já te trata de outro jeito”, diz o rapaz ao ver o feitiço, finalmente, virar contra o feiticeiro.

Foto: ARTE/CORREIO

Tão democrática quanto a agenda, é a confusão de sentimentos. Também esta não é privilégio masculino. A dentista Ananda (nome fictício), 41 anos, por exemplo, se enrolou toda no exercício da “contatibilidade”: “As vezes contatinho dá merda, quando a gente se apega. Você quer aprofundar e o outro não. Pra mim, deu ruim. Eu fico com várias pessoas. Mesmo quando gosto mais de uma, fico com várias. Mas aí dessas que eu ficava, eu gostei mais de um, me apeguei. Só que ele é contatinho e não abre mão. Até o dia que ele disse que não queria mais ficar comigo e, pra piorar, vi ele com outra mulher. Morri mas passo bem”, afirma a moça, já respirando sem ajuda de aparelhos.

A vida é assim mesmo e, como escreveu Guimarães, o que ela quer da gente é coragem. Com as cartas na mesa, é preciso encarar situações que, nas relações tradicionais, eram disfarçadas. Exemplos? Nada lhe protege de encontrar seu contatinho acompanhado de outra pessoa, na mesa ao lado. Fora isso, os silêncios e sumiços são bastante comuns. Aí, cada um joga seu jogo, claro. Mas há quem garanta que o segredo pra ser feliz nesse mar de oportunidades é dizer sempre a mais absoluta verdade.

“Eu sou sincericida por opção. Se gosto, eu digo que eu gosto, se eu quero ver de novo eu falo que eu quero ver de novo, se eu não quero ver de novo, eu falo que eu não quero ver de novo. E eu gosto de ouvir a verdade também”, é a fórmula da artesã e professora Fernanda Damigo que, aos 50 anos, já tem uma longa experiência nesse tipo de rede e reconhece o privilégio do qual desfruta na contemporaneidade: “eu tenho consciência de que se eu tivesse nascido há cem anos, as coisas seriam diferentes, eu não poderia ter a minha rede de contatinhos do jeito que ela é por uma série de expectativas sociais em relação ao papel da mulher”.

Para além da questão de gênero, fomos todos/as, mais do que ensinados, adestrados a ter “outro alguém”. Por mais contatinhos que se tenha, porque será que a gente tá sempre procurando frete como o amor romântico? Será que lá no fundo todo mundo quer encontrar um “achado” no balaio de contatinhos? Ou é possível viver uma vida inteira feliz tendo só “amores” fugazes? Para a sexóloga Aline Castelo Branco, especialista em Programação Neuro Linguística (PNL) e inteligência emocional, antes de tudo é preciso entender a função que cada relação tem. “Toda relação tem uma função. Pode ter uma função sexual, uma função de casamento, de namoro ou simplesmente simbólica, onde a mulher e o homem querem ter um parceiro para mostrar à sociedade. Qual a função desse contatinho?”, filosofa, nos botando pra pensar.

O autoconhecimento parece ser uma outra chave. Conhecer os próprios limites e não avançá-los. Entender o que queremos, de fato. Tanto os desejos sazonais quanto as regras imutáveis. Nestas, o que pode ser natural pra uns, pra outros/as pode ser insuportável: “Eu não me importo de ser mais um contatinho na vida da pessoa, o que me incomoda é falta de consideração. Por exemplo, você mandar uma mensagem para a pessoa e ela não te responder, te cozinhar. Ou então marcar pra sair e ela não ir. Isso me chateia bastante. Não por eu ser mais um, tiro trocado não dói. Mas eu acho importante ter um certo respeito”, diz o comunicólogo, solteiro convicto de 35 anos que, estranhamente, pediu para não ser identificado.

Fato é que tem gente se divertindo demais, nessa liberdade. Com o mínimo de cuidado – e alguma sorte – a estudante Lívia Silva, de 24 anos, é uma das que tiram de letra os malabarismos de uma agenda movimentada: “Eles se chamavam Felipe, tinham a mesma faixa etária, mas gostos completamente diferentes. Conheci os dois pelo Tinder e aí começou. Para sobreviver com os dois, pra um eu dizia que só gostava de sair durante o dia. Pro outro, eu falava que era uma pessoa mais da naite. Eu sempre falava coisas diferentes pra um e pro outro. Às vezes, acontecia de eu ficar com os dois no mesmo dia, mas sempre consegui conciliar. Pra mim era super tranquilo tanto as saídas quanto a questão de transar com ambos”, diz a moça que já chegou a levar os dois Felipes ao mesmo restaurante, no mesmo dia. Um no almoço e outro no jantar.

Viver é customizar. A ilusão do caminho único só garante infelicidades. Então, é aproveitar o verão e ver se a sua é Netflix e pizza com mozão ou a velocidade dos encontros casuais. Neste caso, tome coragem e se jogue. Mas, antes, pra não pagar mico… pelo menos, se ligue no nosso mini-glossário.

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Contatinho: pessoa que você tem facilidade, quase certeza, de pegar

Respirando por aparelhos: quando a pessoa se envolveu demais e se deu mal

Plantonista: amigo/a da vez que fica disponível para cuidar dos corações feridos, depois de uma festa grande, por exemplo, onde rolaram várias histórias

Derrubador/a de gente: precisa explicar?

Tome vida: pessoas que têm alta rotatividade de contatinhos

Rodízio de afetos:  mesmo significado de “tome vida”

Malabarismo de contatos  o controle adequado dos contatinhos

Lamber: gente ficar com vários/as na mesma festa

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Também somos (e temos) contatinhos:
Os repórteres que vos falam, coincidentemente, se encontram naquele momento “entre amores”. Vulgo “soltos na pista”, solteiros e tal. Sendo assim, obviamente, temos nossos contatinhos e constamos nas listas de “alguéns”. Por aqui, repórter também vira fonte, na cara e na coragem, sem anonimato, pra você.

“Um amor tem que valer muito a pena pra merecer a minha exclusividade. O que já aconteceu, claro, mas não sei dizer se fui mais feliz do que quando a vida amorosa faz bagunça no meu Whatsapp. Nem sempre é fartura, infelizmente. Há dias de luta e dias de glória, momentos bons e de vacas magras. Às vezes, aparece uma carência miserenta que me faz abrir espaço pra uns caras “nada a ver”, mas isso é cada vez mais raro. Acabou o romantismo? Não e nem vai acabar.

Já me apaixonei por contatinho e já se apaixonaram por mim também. Isso, desde os tempos em que a gente chamava contatinho de PA (sigla esta que quem é sabe e não vou explicar). Já viajei errado em gente, já viajaram em mim e eu achei chato. Manter e manejar essas histórias sempre será uma atividade arriscada.

Contatinhos são sementes de relacionamentos variados: podem virar amigos, parceiros de determinadas atividades ou, no mínimo, estudos de caso. Pode ser lindo, leve, massa. Se você tá de boas na pista, o desafio é só decidir o que fazer com a inegável possibilidade de (melhor depois do Verão) um deles merecer – e querer – passar a ser chamado de namorado. Aí é outra matéria, outro assunto, outro papo. A vida é fluida, somos livres e essa é a graça”.

Flavia azevedo, 45 anos

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“Ei, você que levou mais de 24h para responder minha mensagem, isso não se faz! Pior é que os dois pauzinhos do zap ficaram azuis esse tempo todo. Não tenho problema em ser seu contatinho, mas aí já é muito escalde. Pô, eu aqui fazendo um malabarismo retado para dar atenção a todo mundo. Não deixo ninguém no vácuo. Ajudo no que for preciso, dou dicas de adestramento canino, mando feliz Natal, dou conselhos sobre o ex, empresto o carro e aspoha.

Deve estar  achando que é minha única “contatinha”, né? Só porque de manhã eu faço o melhor cuscuz que você já comeu? Tô solteiro, mas não deixei de ser romântico e educado. E sempre vejo nos contatinhos uma potencial companheira para a vida. Com o tempo aprendi não só a ter, mas a ser contatinho. Para um hetero rei da lista telefônica não é fácil ser marmita. O cara tem que ter uma autoestima nível torcedor do Bahia.

Então, de boa você que marcou aquele mergulho no Porto e se saiu. De boa você que ia assistir Bacurau e sumiu. Às que precisei desmarcar a cerveja, pode acreditar: eu, de fato, trabalho muito, mas às vezes é zig mesmo. Vale tudo ou quase. Só não pode, além do vácuo, uma relação onde as coisas não estão claras. O resto faz parte, que aqui ninguém é mais menino, né pai?”